Exposição excessiva às telas provoc transtornos neurológicos nas crianças
Um brasileiro adulto utiliza dispositivos eletrônicos como smartphones e tablets durante 9h por dia, em média. E as crianças já crescem neste ritmo acelerado. No entanto, as consequências da exposição excessiva a telas pode levar a distúrbios no sono, retardo no desenvolvimento da linguagem e até a problemas de socialização. Esse foi o tema da palestra do médico neuropediatra Camilo Vieira na I Jornada de Pediatria do Hospital Martagão Gesteira.
Coordenador da Residência Médica de Neurologia Pediátrica do Martagão, Dr. Camilo fala nesta entrevista sobre o impacto da exposição às telas no desenvolvimento das crianças.
Quais são as principais consequências dessa exposição a telas?
Há muitos estudos ainda em andamento, mas já é possível afirmar que esse excesso de exposição pode levar à obesidade, distúrbios no sono – uma vez que a própria luz azul das telas diminui a produção endógena de melatonina, o hormônio do sono -, dificuldade de concentração ou queda no rendimento escolar. Nas crianças abaixo de 2 anos, por exemplo, isso tem trazido impacto no desenvolvimento neurológico. Elas estão falando, andando e aprendendo a socializar muito mais tarde do que o esperado.
Diante do cenário, como os pais têm percebido esses efeitos?
É comum, as mães irem nas consultas com neuropediatra achando que os filhos são autistas, pelo fato de que as crianças não falam e não conseguem interagir socialmente. Claro, existem os casos reais de autismo, mas, na maioria das vezes, elas são apenas pouco estimuladas porque passam a maior parte do tempo na frente de uma tela, enquanto deveriam estar brincando, interagindo, disputando espaço, enfim, desenvolvendo habilidades sociais. E quando você regula o tempo de uso desses aparelhos tecnológicos, depois de um tempo, já é possível notar melhorias.
E como se chega a este diagnóstico?
Primeiro observamos se a criança tem algum tipo de atraso no desenvolvimento. Realizamos um questionário com a família sobre os hábitos da criança, para entender a relação dela com as tecnologias. Hoje, a Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Brasileira de Pediatria recomendam que crianças abaixo de 2 anos, por exemplo, não tenham qualquer exposição a telas. Entre 2 e 5 anos, no máximo 1 hora por dia, mas sempre com a supervisão de um cuidador. E para crianças acima de 5 anos, não existe um padrão específico, mas recomendamos nada além do que 2 horas por dia.
O problema então é o excesso e não o uso em si das telas?
Sim. É importante deixar claro que o excesso é prejudicial. Não podemos demonizar as tecnologias que inclusive são utilizadas para facilitar a comunicação, interação entre as pessoas, educação e até mesmo para auxiliar na comunicação de crianças com limitações físicas. Mas o fato é que essa geração está sobre grande risco: as complicações neurológicas causadas pelo excesso no uso de telas que estão cada vez mais portáteis e inseridas no cotidiano. São problemas que já existem desde o surgimento da televisão, mas que se intensificaram com as novas telas como smartphone e tablets.
Nesse caso, quais são as orientações para os pais?
A melhor forma de educar é pelo exemplo. Não adianta você exigir que a criança tenha pouca exposição a telas se ela vir você fazendo isso o tempo inteiro. Além disso, os pais precisam ter a consciência que o melhor a ser feito é também inserir as crianças nos ambientes sociais. Atividades extracurriculares na escola, jogos de tabuleiro, integração com os amigos, parque, aumento da interação com o núcleo familiar. Enfim, tudo isso é muito importante. Limitar o acesso às telas apenas não resolve, vai gerar mais irritabilidade.
Quais são os casos mais comuns que chegam ao seu consultório?
Depende muito da faixa etária. Abaixo dos 2 anos, os principais casos são de atrasos de linguagem, crianças que falam muito pouco quando deveriam já estar mais desenvolvidas. De 2 a 10 anos, é comum ver alterações de humor, muita irritabilidade. São crianças com baixa tolerância à frustração, porque desde muito cedo os pais usavam as telas como instrumento de controle comportamental. Está chorando? Dá o tablet. Não consegue ficar quieto no restaurante? Dá o celular. E isso gera um processo de dependência que inclusive já consta no Código de Doenças Psiquiátricas.
O que dizem os estudos científicos mais recentes sobre isso?
Existem muitas pesquisas em andamento. Mas os dados preliminares já indicam para um cenário alarmante. Por exemplo, a evidências de que o uso excessivo dessas telas provocam a diminuição do córtex cerebral das crianças, uma das partes mais importantes do sistema nervoso, responsável por memória, percepção e linguagem. Outro aspecto é que alguns pais receiam em retardar o acesso a esse eletrônico para não prejudicar o desenvolvimento dos filhos mas, na verdade, habilidade e desenvoltura para manipular telas touch screen não são sinais de inteligência, apenas uso intuitivo. O que está em jogo é o futuro de uma geração. É preciso a conscientização de todos, inclusive da comunidade médica.
- Entrevista publicada no Jornal da Liga( Liga Álvaro Bahia contra a Mortalidade Infantil, mantenedora do Hospital Martagão Gesteira)
Comentários
Nenhum comentário até o momento